Total de visualizações de página

Quem sou eu

Minha foto
Patos, PB, Brazil
Professor de Filosofia e Literatura na Rede Privada de Ensino desde 2003 (Colégio Compacto); professor de Língua Inglesa no Município de São Mamede (CENEC); Militante Sindicalista ligado ao SINFEMP (Patos e São Mamede); Diretor Estadual de Imprensa e Divulgação da CTB/PB

sábado, 19 de janeiro de 2013

A PAIXÃO NA CONCEPÇÃO FILOSÓFICA DO PERÍODO SOCRÁTICO

A PAIXÃO NA CONCEPÇÃO FILOSÓFICA DO PERÍODO SOCRÁTICO

Em sua concepção de homem, Platão (PLATÃO, 2008, p. 69) mostra uma dualidade psicofísica eternamente conflitante entre corpo e alma, uma vez que o homem é tido como uma continuação da divindade. A alma anseia pela perfeição do mundo inteligível, enquanto o corpo anseia pelos prazeres, porque é considerado o locus de todos os vícios ou paixões. Com isso, tentaremos enfatizar essa relação dualista entre a alma (os seus desejos), que assume a dimensão do sublime, portanto comprometida com o Eros celestial, e o corpo, que adota o páthos das paixões desenfreadas e conflitantes. Para tanto, serão utilizadas algumas obras que se reportam a tais temas, como por exemplo: O Banquete e o Fedro, de Platão.
O termo paixão deriva do grego pathos, que significa paixão, excesso, catástrofe, passagem, passividade, sofrimento e assujeitamento. O conceito filosófico de paixão cunhado por Descartes (2005, p. 84) serviu para designar tudo o que se faz ou acontece de novo. Vale lembrar que Descartes, filósofo francês, ficou conhecido como o filósofo do método, ou seja, sua concepção de homem e de paixão segue um raciocínio lógico, metódico. Esse conceito está ligado a padecer, pois o que é passivo de um acontecimento padece deste mesmo. Assim sendo, não existe pathos senão na mobilidade, na imperfeição.
Vamos agora perceber o sentido da paixão como movimento inerente ao corpo, o que me parece justo pelo que nos propomos estudar. O corpo é imperfeição, é incompleto e precisa movimentar-se em busca de sua própria vitória, daí por que o corpo em si pede paixão.
A história da palavra pathos está obscurecida por uma multiplicidade de conotações. A sua acepção mais geral significa algo que acontece, quer em referência ao próprio evento quer à pessoa afetada, “as minhas experiências” (PLATÃO, 2001, p. 74). O uso consideravelmente alargado em sentidos éticos tem como exemplo, o “sofrimento instrutivo”. A especulação filosófica bifurca-se a partir desta altura em dois sentidos diferentes, investigando o pathos tanto como “o que acontece aos corpos” como “o que acontece às almas”, o primeiro sob a rubrica geral de qualidades, o segundo sob a de emoções. A ponte que nos é fornecida por Platão se dá pelo fato das sensações que reduzem o conhecimento sensorial a um pathos dos sentidos que, por sua vez, é capaz de disparar os pathe da alma.
Em Platão os pathe éticos aparecem, pelo menos algumas vezes, como função da materialidade: aparecem nas partes morais e corpóreas da alma e estão lá presentes, como resultado da conjunção da alma com o corpo. Segue a posição atomista tanto ao fazer dos pathe uma espécie de percepção como ao tentar reduzir a sensação (aisthesis) ao contato. Onde se afasta dela é ao notar que quando os contatos são excessivos há, como resultado, o prazer e a dor. Esta explicação algo materialista não é unicamente de Platão ou a última palavra sobre o assunto, mas é interessante pelo fato de fornecer o elo entre o pathos como qualidade física e o pathos como fenômeno ético.
A paixão em alguns momentos do pensamento platônico não é entendido pelos seus leitores. Tomemos por base o conceito ocidental de paixão arraigado ou ligado ao conceito de amor (Amor Platônico). Amor platônico é uma expressão usada para designar um amor ideal, alheio a interesses ou gozos. O senso comum lhe dá como sentido o de um amor impossível de se realizar, um amor perfeito, ideal, puro, casto.
Trata-se, contudo, de uma má interpretação da filosofia de Platão, quando vincula o atributo “platônico” ao sentido de algo existente apenas no plano das idéias. Porque Idéia em Platão não é uma cogitação da razão ou da fantasia humana. É a realidade essencial. O mundo da matéria seria apenas uma sombra que lembraria a luz da verdade essencial. A expressão amor Platônico é uma interpretação equivocada do conceito de Amor na filosofia de Platão. O amor em Platão é falta. Ou seja, o amante busca no amado a Idéia - verdade essencial - que não possui. Nisto supre a falta e se torna pleno, de modo dialético, recíproco.
A Paixão seria o desejo voltado exclusivamente para o mundo das sombras, abandonando-se a busca da realidade essencial. O amor em Platão não condena o sexo, ou as coisas da vida material. Ele até vê o corpo como arkhé ou como espanto para o início da caminhada. A paixão pelo corpo é o que nos conduz para a dor, o sofrimento e, por sua vez nos conduz ao conhecimento de nós mesmos. Assim, em Platão vemos a paixão como o próprio espanto do corpo e meio pelo qual nós nos compreendemos mais adiante.
Percebe-se, portanto, que a paixão vista como Platão a viu não está apenas no espanto, mas ela carrega o nosso corpo e a ele dá forças para prosseguir no intuito de descobrirmos muito mais em nós mesmos. A paixão pelo corpo é o espantar ou o admirar filosófico, ou seja, o princípio, o meio e o fim de todas as outras ações que o envolvem.
Na obra Simpósio, de Platão, há uma passagem sobre o significado do amor. Sócrates é o mais importante dentre os homens presentes. Ele diz que na juventude foi iniciado na filosofia do amor por Diotima de Mantinea, que era uma sacerdotisa. Diotima lhe ensinou a genealogia do amor e por isso as idéias de Diotima estão na origem do conceito socrático-platônico do amor, conceito que consiste no uso do verbo (palavra) como origem de tudo e, por isso, origem do amor e da paixão. Não é por acaso que Sócrates nomeia Diotima como aquela que lhe deu as instruções e os métodos mais significativos para amar/falar. A palavra falada por amor é uma palavra que vem das origens.
Outro momento em que percebemos a originalidade do amor como espanto primeiro, como início de tudo, encontra-se na obra O banquete. Em um dos diálogos sobre os hinos cantados aos deuses, Erixímaco, falando por palavras de Fedro, questiona a todos:

Não é estranho, que para outros deuses haja hinos e peãs, feitos pelos poetas, enquanto que ao Amor todavia, um deus tão venerável e tão grande, jamais um só dos poetas que tanto se engrandeceram fez sequer um encômio?”. Nesse momento, os filósofos reunidos na casa de Agatão, lembram que Parmênedes sem nenhum medo afirmou: “os deuses antes de tudo pensaram o amor, pois são seres de paixão. (PLATÃO 2001, p. 5)

A noção de amor é central no pensamento platônico. Em seus diálogos, Sócrates dizia que o amor era a única coisa que ele podia entender e falar com conhecimento de causa. Platão compara-o a uma caçada (comparação aplicada também ao ato de conhecer) e distinguia três tipos de amor: o amor terreno, do corpo; o amor da alma, celestial (que leva ao conhecimento e o produz); e outro que é a mistura dos dois. Em todo caso, o amor (a paixão), em Platão, é o desejo por algo que não se possui, mas que certamente se anseia descobrir.
Foi Platão que entendeu o homem como ser bi-dimensional no que diz respeito aos sentimentos primeiros (amor e paixão), ou seja alma e corpo. Ele harmonizou o mundo sensível da Physis, trabalhado pelos filósofos pré-socráticos, com o mundo inteligível das Idéias, e fez do homem, o mediador desta grande síntese. Há dois modelos fundamentais do homem enquanto sentimentos na sua filosofia: um que se poderia dizer “unitário” e outro, “tripartido”. (ALMEIDA JR 1999, p. 118)

A meta a que se propõe o filósofo, agora, não é mais purificar a alma dos desejos e dos prazeres sensíveis, mas fazê-la elevar-se, pelo impulso de Eros, até à mais alta forma de conhecimento do Belo e do Bem. Fazendo isso, Platão deixa mais claro que a alma não tem apenas uma estrutura poética − como o Fédon sugeria – mas também uma estrutura erótica, como nos mostram o Banquete e o Fedro.
Éros é o grande daimon, aqui entendido como espírito de luz, que faz a mediação entre o mundo sensível e o mundo inteligível e traça o roteiro da grande dialética ascensiva da psyché. Essa dialética é descrita no Banquete, num dos textos mais belos que já se escreveu sobre o amor. Nele, Platão faz Sócrates revelar − como se fora um segredo da sacerdotisa Diotima − o mito do nascimento e a verdadeira natureza de Éros.

Estás vendo então - disse - que também tu não julgas o Amor um deus?
- Que seria então o Amor? - perguntei-lhe. - Um mortal?
- Absolutamente.
- Mas o quê, ao cento, ó Diotima?
- Como nos casos anteriores - disse-me ela - algo entre mortal e imortal.
- O quê, então, ó Diotima?
- Um grande gênio, ó Sócrates; e com efeito, tudo o que é gênio está entre um deus e um mortal.
- E com que poder? Perguntei-lhe.
- O de interpretar e transmitir aos deuses o que vem dos homens, e aos homens o que vem dos deuses, de uns as súplicas e os sacrifícios, e dos outros as ordens e as recompensas pelos sacrifícios; e como está no meio de ambos ele os completa, de modo que o todo fica ligado todo ele a si mesmo. Por seu intermédio é que procede não só toda arte divinatória, como também a dos sacerdotes que se ocupam dos sacrifícios, das iniciações e dos encantamentos, e enfim de toda adivinhação e magia. Um deus com um homem não se mistura, mas é através desse ser que se faz todo o convívio e diálogo dos deuses com os homens, tanto quando despertos como quando dormindo; e aquele que em tais questões é sábio é um homem de gênio, enquanto o sábio em qualquer outra coisa, arte ou oficio, é um artesão. E esses gênios, é certo, são muitos e diversos, e um deles é justamente o Amor. (PLATÃO, 2001, p. 21)

Eros é filho do deus Póros e da deusa Penia e o seu verdadeiro objeto não é simplesmente o Belo, mas a procriação na Beleza, pois é nela que se nutre, no mortal, o desejo de imortalidade. Diotima descreve os degraus da grande escalada, na qual estão, admiravelmente, resumidos os planos fundamentais da visão platônica do mundo e do homem, vale dizer, o plano do corpo (na harmonia de suas formas visíveis), o plano da alma (na riqueza de sua fecundidade criativa), o plano do conhecimento (na beleza da descoberta do segredo das coisas) e, finalmente, o plano da intuição das Idéias, onde se esconde o segredo das essências dos seres. À medida que vão sendo escalados esses planos, a alma, cada vez mais, se afasta do sensível e se aproxima do inteligível, até mergulhar na contemplação da Beleza em si, contemplação esta que alguns especialistas interpretam como sendo uma contemplação mística, uma forma de presença espiritual, irredutível ao discurso intelectivo ordenado pelo lógos; enquanto outros vêem, nela, o coroamento do esforço inteligível do Lógos. Como quer que seja, ou pela força do “coração que conhece” na união mística, ou pela força da “inteligência que ama” na “visão intuitiva”, o importante, para Platão, é que a alma (amor/eros) encontra sua felicidade na contemplação da Beleza em si (pathos/corpo), que se confunde com a Idéia do Bem Absoluto.

Professor José Fábio Marques de Santana
´Professor de Filosofia e Literatura no Colégio Compacto de Piancó
Professor de Língua Inglesa  na SMEC/São Mamede - PB

Um comentário:

Unknown disse...

Muito esclarecrdore
Obrigado por compartilhar.